sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Rivalidade, agonia e maestria parte 2


Parte dois do comentário sobre a rivalidade Nadal - Federer. Para a primeira parte clique aqui. Meu irmão escreveu um texto motivado pelo que viu no aberto da Austrália e psotou no blog do meu pai. Você pode ler este excelente texto aqui.
Estou listando a cada ano o desempenho dos tenistas nos torneios principais, mas vale notar que cada um venceu dezenas de torneios menores neste período.
Deve-se lembrar um pouco das dificuldades do jogo de tênis. Os saques viajam a cerca de 200km/h e cada jogador serve e recebe dezenas por jogo. Eles ficam trocando pancadas de 150 km/h por horas, tudo isto unido a uma enorme movimentação e variedade de tipos de batida (topspin, flat, drop...). O tenista está sozinho, não tem um time para segurar sua onda quando joga mal. Além de tudo isto, é o único esporte que varia o terreno de disputa, e as diferenças entre a lenta quadra de saibro e a veloz quadra de grama faz com que sejam praticamente esportes diferentes, e são poucos os que conseguem se sair bem em todos os tipos. Nosso Guga, por exemplo, mesmo quando era número um do mundo não conseguiu vencer os grand slam de quadra dura e grama, sendo o rei do saibro.
Voltemos ao histórico:
Em 2006 mais um espetáculo de Federer, cada vez mais dominante. Venceu novamente três dos Grand Slam, novamente parando em Nadal em Roland Garros. Neste ano Nadal pela primeira vez chegou a uma final de outro major, perdendo de lavada para Federer em Wimbledon.
2007 foi um repeteco de 2006, com Federer novamente dominando tudo e vencendo Australia, Wimbledon e US Open, perdendo para Nadal no saibro de Roland Garros. Nadal deu muito mais trabalho em Wimbledon, e Roger venceu uma batalha ferocíssima em 5 sets.
2008 foi o ano da mudança da guarda. O título da Austrália ficou com uma nova estrela em ascensão, Novak Djokovic (uma curiosidade, no US Open do ano anterior Djokovic ganhou o apelido de Joker, pois imitava todo mundo, um grande palhaço; Federer jogou todo de preto, então tivemos a final JokerX Dark Knight). Na França mais uma vez Nadal bateu Federer, desta vez com facilidade. Aconteceu então em Wimbledon o que pode ser considerado o momento em que Federer passou o trono para Nadal. No que muitos consideram o melhor jogo de todos os tempos, Nadal venceu em 5 sets. Foi uma batalha incrível, com Nadal abrindo dois sets a zero e parecendo que estava liquidada a fatura. Federer numa reação impressionante empatou o jogo. Jogaram tênis de altíssimo nível e acabou dando Nadal, após 5 sets sendo os últimos três decididos no tie-break. O ano parecia perdido para Federer, mas eis que no último major do ano, US Open, ele ressurge e vence o título, derrotando o britânico Andy Murray, que havia batido Nadal na semi.
O ano de 2009 começou com Nadal na liderança do ranking e eles se encontrando novamente numa final de major, com a vitória descrita anteriormente. Agora Nadal tem 6 torneios de Grand Slam e Federer, cinco anos mais velho, tem 13.


O estilo dos dois é bastante diferente, e ambos são espetaculares. Nadal é um lutador incansável, fez em três dias duas partidas de cerca de 5 horas e venceu as duas. Nadal nunca considera um ponto como sendo perdido, nunca deixa de correr e bate com força e efeito (topspin) impressionantes e inéditos. Nadal por um tempo foi apenas o rei do saibro, tipo mais lento de piso, mas hoje já venceu grandes torneios em todo tipo de quadra e tem apenas 22 anos. Além disto é canhoto, o que dificulta muito para seus adversários. Seu estilo de jogo é extremamente físico e geralmente ele chega acabado no final da temporada. Alguns acreditam que não será possível jogar assim por muitos anos. Nadal não parece dar muita bola para estas previsões e foi capaz de jogar por 5 horas e meia na sexta, e depois mais 4 horas e meia no domingo e ainda vencer os dois jogos.
Federer tem talvez o jogo mais técnico da história. A qualidade de seu tênis é fora das escalas. Saque formidável, forte e muito bem colocado, extrema qualidade em todos os fundamentos e a melhor movimentação em quadra já vista. Nenhum de seus golpes é menos que excepcional. Sua criatividade nos pontos é lendária. Capacidade enorme de descobrir como vencer seus adversários e colocar a bola onde quiser, de qualquer ponto da quadra. Por anos foi imbatível, mas já mostra sinais de declínio desde 2008. Por seu jogo não ser tão físico como o de Nadal, sua curva descendente não deve ser tão acentuada. Talvez sua maior fraqueza seja na parte mental do jogo, pois algumas vezes parece não acreditar em sua qualidade (especialmente contra Nadal) e comete erros tolos. O falecido escritor David Foster Wallace escreveu um artigo sobre Federer que é uma das melhores reflexões sobre vida, esporte e excelência que já vi. Chama-se "Federer as religious experience" (Federer como experiência religiosa). Creio que não existe traduzido, mas aqui está em inglês. Não deixe de ler as notas de rodapé, tão boas quanto o artigo e essenciais para tornar a experiência completa! O autor descreve muito bem o jogo de Federer dizendo que ele é ao mesmo tempo Mozart e Metallica, finesse e harmonia, força bruta e intensidade.
Nadal faz você entender como o jogo demanda fisicamente, você o assiste e fica impressionado com o quanto ele está ralando. Federer ao contrário, joga tão fácil que faz a gente achar que poderia estar ali também. Claro que isto não implica que Nadal não tenha técnica ou que Federer não tenha força. Nadal provavelmnte só perca em técnica para 2-3 hoje e não mais que 15 na história. Federer é mais poderoso fisicamente que 95 % dos jogadores. O que os diferencia é na medida para a receita técnica - poder, habilidade - garra e criatividade-vontade. Os dois tem tudo isto de sobra.


A rivalidade entre Nadal e Federer nunca foi amarga ou ofensiva, como fora Connors - McEnroe e tantas outras. Desde o início da carreira de Nadal ele parece ter um enorme respeito por aquele que considera o melhor de todos. Seu próprio técnico e tio, Toni Nadal, afirma que Roger é melhor que Nadal. Outros grandes atestam a superioridade do suíço. Agassi falou que contra o grande Sampras ele sabia o que fazer e que num mal dia podia derrotá-lo, enquanto que contra Federer no seu auge (2004-2007) não havia o que fazer.
Muito tem sido falado acerca do debate sobre se Federer pode ser considerado o melhor da história uma vez que tem perdido de Nadal de maneira consistente. No tênis não há alguém incontestável, que tenha feito mais de mil gols e vencido dois mundiais de clube e três de seleção como Pelé. A discussão tem mais nuances e é mais complicada. Acredito que sim, Federer pode ser considerado o melhor da história mesmo perdendo tanto para Nadal. A questão de melhor do mundo é comparativa. Explico: o outro nome que se usa quando se fala em melhor da história é o de Pete Sampras. Será que Sampras teria perdido três vezes seguidas de Nadal na final de Roland Garros? Creio que não, pois o fato é que ele nem mesmo chegaria perto de jogar contra Nadal. Ele nunca passou das quartas-de-final em Paris, mesmo contra adversários mais fracos, sendo que Federer bate qualquer outro do mundo no saibro, com exceção do espanhol. A vantagem de NAdal no confronto direto também pode ser atribuída ao fato de que no auge de Federer entre 2004-2007 Nadal sequer chegou a uma final do Australia Open ou do US Opne, onde provavelmente teria sido batido.
Se eles fossem separados por alguns anos, Federer certamente já teria mais 4-5 majors, e Nadal uns outros tantos. Mas o mais fascinante desta dupla, que talvez um dia sejam vistos como os dois maiores da história, é que embora sem o outro cada um fosse mais dominante e ganhasse mais, a rivalidade deles os torna muito mais interessantes e faz bem para o mundo todo, que pode ver dois rivais se abraçando após a batalha sabendo quão valorosa foi a disputa e como um faz o outro melhor. Uma antiga campanha das Olimpíadas usava o seguinte texto, que se encaixa bem no tema aqui:
Adversário
Você é meu adversário, mas não meu inimigo
Pois sua resistência me dá força
Sua vontade me dá coragem
Seu espírito me enobrece
E embora minha meta seja derrotá-lo, caso eu suceda, não irei te humilhar
Em vez disto, eu irei te honrar
Pois sem você, eu sou um homem inferior.

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